Camila
gostava de dançar. Desde os seis anos tentava ser a melhor bailarina do estúdio
de dança.
Gostava
de dançar, mas era muito espevitada e atrapalhada. Entre pliês, arabesques e
piruetas Camila sempre acabava caindo. A professora dizia que ela era especial
por conseguir cair de várias maneiras, às vezes parecendo até um caracol. O pior não é isso. Ela também derrubava suas
colegas de dança, que acabavam sempre com alguns machucados.
Até
derrubar Ana Botafogo em uma visita ao estúdio ela conseguiu. O maior vexame!
Fato inesquecível.
Mesmo com toda essa atrapalhação, quando
colocava sua malha rosa, seu tutu e fazia um coque em seus cabelos parecia que
entrava em outro mundo. Era uma bailarina.
Mas não uma bailarina como Cássia.
Cássia
era tão perfeita. Quando chegava na aula todos olhavam para ela. Seu brilho era
algo indescritível. Sempre arrumada, perfumada, sem perebas e calos nos pés (o
que é quase impossível para uma bailarina clássica).
Aliás,
este era o grande mistério. A jovem parecia não ter nenhum tropeço. O pior de tudo é que era educadíssima, dava
nojo de ver.
- Eu
ainda vou descobrir o que tem por trás desta brilhante Cássia. Vocês vão ver!
Não sei como vocês não se incomodam com a Srª Perfeita – dizia Camila para suas
colegas.
-
Vixi! Lá vem a doidinha inventando moda de novo. Para de invejar e vê se treina
as piruetas para não passar vergonha no teste de seleção do espetáculo deste
ano. – respondia Lana, sua melhor amiga.
Mas
Camila era teimosa demais. Naquele dia ela decidiu que iria seguir Cássia até a
casa dela e ver se descobria alguma coisa.
Camila
a seguiu muito sorrateiramente, afinal ela não poderia perceber.
Espiou
na janela da cozinha. A casa era toda
branca, com janelas grandes. Os móveis eram milimetricamente arrumados. Tudo
muito claro, limpo. Havia quadros e fotos pela sala. Na mesa de centro, alguns
livros.
Cássia
estava na cozinha. Abriu a geladeira e pegou uma garrafa com um líquido azul. Bebeu.
Cada vez que ingeria mais do líquido, seu rosto brilhava em tom furta-cor.
Soltou os cabelos que pareciam liberar purpurina de tanto brilho.
Subiu
as escadas que levavam ao andar de cima.
A
sua gata branca, com olhos grandes amarelos a acompanhou. Miando e olhando para
a janela da cozinha. Parecia que estava avisando Camila de que havia alguém a
observando. Cássia pegou-a no colo e continuou subindo.
Camila
viu que precisava de outro ponto de observação. Avistou uma árvore próxima a
uma das janelas. Teria que subir para ver o que acontecia lá em cima. Não
gostava muito de altura, mas não podia perder a brilhante oportunidade.
Subiu
na árvore rapidamente. A curiosidade era o que movia sua missão.
Ficou
em uma posição de vigia. Estava equilibrando-se sobre um galho observando
Cássia em seu quarto.
-Ah!
O que é isso? – Camila murmurou assustada.
A porta do armário tapou sua visão e um brilho intenso tomou conta do
espaço.
A
menina Cássia havia sumido. Estava ali um ser brilhante de olhos muito azuis.
Os olhos de ... Cássia.
-
Que coisa é essa que ela é? – murmurou Camila.
Os
olhos das duas meninas se encontraram. Camila ficou tão assustada, distraiu-se,
perdeu o equilíbrio, o galho rangeu. Mais um estalo, galho quebrado. Começou a
cair. Rapidamente Cássia voou e conseguiu segurá-la. Na verdade flutuou.
- O que é você? - perguntou Camila já fechando os olhos e desmaiando
de susto.
Quando
Camila acordou estava no quarto de Cássia.
Olhou
e viu aquele ser estranho olhando para ela.
-
Você poderia ter se machucado muito. – disse Cássia
- Pois
é. Você me pegou não foi? – concluiu Camila.
-
Sim, peguei, mas poderia tê-la deixado cair. Aliás, era isso que deveria ter
feito.
Camila
começou a ficar assustada com tal resposta. Parecia estar correndo perigo.
Teria que dar um jeito de sair dali logo.
-
Você não deveria ter me seguido Camila. Estamos aqui com um propósito muito
maior do que o teu ciúme. O teu fracasso na dança não tem nada a ver comigo. –
falou Cássia.
Camila
enrubesceu.
-
Tem que ir embora antes de meus pais chegarem. Se eles virem você, será o fim.
Nem sei do que eles seriam capazes. A última pessoa que nos descobriu tivemos
que eliminar, pois enlouqueceu e contava para todos o que nós éramos.
-
Mas afinal o que é você? Onde está tua... pele? – perguntou Camila.
-
Somos de outro local. Fora do planeta Terra. Viemos recolher dados para uma
invasão.
Nesta
hora, Camila se assustou e tentou correr. Foi agarrada por um ser alto e magro
com cara de gato. Era a gata branca de Cássia.
- Não
tente fugir, antes você terá que tomar isso. Amanhã, quando acordar, não se lembrará de
mais nada. Se lembrar, será seu fim. – alertou Cássia estendendo a garrafa na
sua direção.
Camila
pegou a garrafa com líquido azul e bebeu devagar. Era gosmenta e tinha um gosto
horrendo. Começou a se sentir meio estranha, pernas bambas, até que não
enxergou mais nada.
Acordou
na manhã seguinte toda molhada. Era uma mistura de suor e urina. Não lembrava
de nada do que tinha acontecido. A cabeça doía muito. Juntou os lençóis e a
roupa que vestia para levar a lavanderia. Foi tomar um banho, pois fedia
demais. Tinha teste no estúdio de dança naquela manhã de sábado.
No
estúdio a primeira a apresentar o solo foi Camila. Estava confiante. Tudo
parecia perfeito. Todos estavam lá, inclusive Cássia, que observava atentamente
Camila.
Quando
as duas cruzaram olhares, Camila sentiu um calafrio. Lembrou-se do gosto ruim
na boca e dos olhos azuis brilhantes da concorrente.
Logo
no início das piruetas, Camila já começou a cair. Não adiantava insistir, ela
não conseguia fazer os giros.
Foi
a vez de Cássia se apresentar. Brilhantemente perfeita para despertar ainda
mais a inveja das meninas. Pois foi no momento em que Cássia flutuava, que
Camila lembrou-se do que havia visto no dia anterior e gritou assustando a
todos:
-
Essa aí é um extraterrestre! ET! ET! ET!
Apenas
com o olhar Cássia calou a colega.
Todos
olhavam abismados para Camila. Ela não conseguia mais falar, só gesticulava e
abria boca como se quisesse soltar um grito, que nesse caso era
definitivamente, mudo.
Resolveram
encerrar as apresentações e chamar a emergência. Camila estava descontrolada.
Cássia
tirou a fala e confundiu o cérebro da jovem colega. Esse era um dos seus
principais talentos.
Camila
enlouqueceu mesmo. Foi internada em um hospital para doentes mentais.
O ser
luminoso visitava ela todas as noites, para conferir seu estado. Precisava
garantir o sucesso da sua missão.
Pobre
Camila! Nunca mais voltou ao normal.
Durante
a invasão alienígena, ficou abandonada junto com os outros pacientes. Todos
observaram as naves chegando e os seres luminosos que flutuavam por todos os
lados.
Naquele
instante, olhando para tudo aquilo, Camila sorriu. Sabia que não era louca
afinal. E finalmente, conseguiu falar novamente:
-
ET!
Todos
no local começaram a falar juntos:
-
ET! ET! ET!
Um
grande clarão iluminou o céu e cegou seus olhos. Todos foram sugados de uma só
vez. Agora Camila já podia flutuar. Estava dançando novamente, como uma
bailarina, naquele céu estranhamente colorido.
Por Milene Barazzetti
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