sábado, 13 de julho de 2013

Dora e o gato



Dora e o gato
Por Milene Barazzetti
A história que eu vou contar é a pura verdade. Meu avô me contou e jurou de pé junto que aconteceu. Pareceu caso encerrado, mas nada foi solucionado.
Tudo começou com o desaparecimento de uma velha senhora, vizinha da casa dele, no dia 24 de dezembro de 1934, lá mesmo na Rua 24, exatamente às 24 horas. A hora é precisa, pois se ouviu ao invés de doze, vinte e quatro badaladas dos sinos da Igreja São Francisco, marcando meia noite.  
Conta-se que como era véspera de Natal todos saíram à rua para felicitarem uns aos outros. Morava ali uma senhora chamada Dora. Ela não deu sinal de vida naquele dia. Mesmo vivendo sozinha, sem ninguém, ela sempre saia para ver a decoração de Natal, apesar de não retribuir nenhum sorriso dos vizinhos.
Dora vivia assim, mal humorada o tempo todo. Odiava crianças, homens e mulheres, maldizia Deus e principalmente, odiava os gatos que viviam soltos e teimavam em rondar sua casa.
 Ela gritava com as crianças que chegavam perto, gesticulando com um sapato preto de salto alto na mão:
- Meninos saiam da minha janela, parem com essas pedras e tirem seus animais pulguentos da minha calçada. Eu não respondo por mim! Ainda mato um desses gatos com a sola do meu sapato e arranco as orelhas de vocês!
Os meninos sempre corriam, junto com os animais, insetos e tudo o mais que estava por perto, ao som dos seus berros. Mesmo assim eles adoravam atiçar a velha senhora atirando pedras em suas vidraças.
 Dora era uma pessoa acinzentada. Seus cabelos eram negros e sem vida. Tinha a pele enrugada e uma corcunda nas costas que deixavam todos que passavam perto de sua casa horrorizados. Ela era a própria visão do inferno de tão feia e amargurada. Passar pela casa dela sozinho era a prenda para os meninos que perdiam alguma disputa.
Com a notícia do seu desaparecimento o Natal foi diferente naquele ano. Mesmo Dora sendo uma senhora pouco sociável, as pessoas que viviam naquela rua preocupavam-se uns com os outros, eram solidários e tentavam sempre convidá-la para participar dos eventos. Os vizinhos diziam que ela não era vista desde o dia anterior.
Meu avô e seus três melhores amigos João, Sebastião e Pedro foram incumbidos de procurar a velha senhora. Diziam que eles, os quatro, eram melhores detetives do que qualquer policial, pois conheciam aquela rua e suas travessas como ninguém.
Os quatro começaram a busca pela casa da malvada. Afinal era um casarão enorme e ninguém havia procurado lá dentro. A verdade verdadeira mesmo é que as pessoas não tinham coragem de entrar naquele lugar. Sobrou para meu avô e seus amigos. Logo na entrada o ar já era putrefato. Os móveis tinham estilo vitoriano e eram cheios de pelos pretos soltos sobre eles. Havia uma escada com várias fotos de pessoas, que pareciam ter vivido por ali em várias épocas, na parede. Em cada foto havia também um gato preto, sempre ao lado de uma menina.
Meu avô e João resolveram subir as escadas enquanto os outros dois vasculhavam o restante da casa. O cheiro forte de podre foi aumentando a cada degrau que subiam até que...
- Ahhhhhh!!! João e Anselmo corram aqui embaixo, corram aqui embaixo!!!!! – gritou desesperado Sebastião.
Os meninos então desceram correndo as escadas e viram seus amigos com os olhos saltados.
- Que foi? Encontraram a bruxa malvada? Hahaha – falou debochando João.
Sebastião então jogou direto no amigo que estava rindo o sapato preto da Dora. Qual não foi a surpresa de João quando viu que o sapato estava com a sola e salto todo avermelhado.
- Isso ééé sansansangue? – gaguejou João já perdendo toda a sua valentia e desabando naquele chão imundo. Ele não podia ver sangue que passava mal.
Pedro então mostrou a meu avô o gato preto que estava morto com uma perfuração na cabeça, em frente à geladeira da cozinha. Era exatamente igual aos gatos das fotos que haviam visto na escada.
Resolveram então subir todos juntos ao andar de cima, deixando João lá embaixo descansando um pouco com o gato morto. Ao chegar no quarto, Dora estava ela lá, deitada na cama, com os olhos abertos, mortinha da silva. Meu avô conta que correram em disparada e só pararam para pegar o João que ainda não havia acordado.
Fora da casa todos esperavam os meninos e a polícia já havia chegado.
- Não fomos nós que matamos a velha não!!! – gritaram os meninos para o pessoal da rua, defendendo-se de quaisquer acusações.
Os policiais entraram na casa rapidamente. Formou-se uma multidão de curiosos e até o pessoal do jornal já estava a postos no local.
Os quatro amigos foram para suas casas, não queriam mais emoção naquele noite.
No outro dia, meu avô disse que o jornal tinha como manchete:
Mulher encontrada morta na Rua 24. Deixou órfão seu gato preto que FOI ENCONTRADO SOBRE ela, ronronando.
Ele saiu correndo e foi avisar João, Sebastião e Pedro sobre a notícia. Os quatro amigos ficaram encafifados e então resolveram averiguar que tal gato era aquele. Não é que chegando na casa viram um gato paradinho na varanda, preto como aquele que tinham visto morto, mas neste caso vivinho da silva.
Sebastião foi perguntar para o policial que continuava montando em frente a casa:
- E o gato morto da cozinha?
- Que gato morto menino? Só encontramos este gato aí, que deve ser da defunta, pelas fotos que vimos na escadaria. Vocês não querem cuidar dele?- perguntou o policial, tentando convencê-lo.
- Deus nos livre, deus nos livre. – disse meu avô e seus amigos que se botaram a correr em disparada.
Conta-se que a partir daquele dia, lá na Rua 24, gato é bicho respeitado e nunca pode ser judiado.

Lá na Rua 24
Esse fato aconteceu
Meu avô esteve lá
E desde então nunca esqueceu.

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